Diário de Processo #2
Preparação para o 1º Encontro Regional Sul do Mulherio Das Letras em Florianópolis - 27 e 28 de Abril de 2024
Me propus a levar este trabalho e também a proposta "O Mar Manda de Volta Coisas Pequenas" no Encontro do Mulherio das Letras SC, que aconteceu na Casa das Máquinas, durante as tardes do último final de semana de abril. Lá fui eu com minhas zines, ecobags e fotografias impressas para expor.
O primeiro grande desafio para este trabalho foi escolher o suporte em que seriam impressas as fotografias. Eu já sabia que teria uma parede para expor, mas não poderia furar. Portanto, qualquer aplicação teria de ser facilmente retirável, o que me levou a desejar imprimir as fotografias em tecidos. Leves e quase transparentes, na minha cabeça, ficaria lindo e poético. Como nem tudo acontece como a gente imagina, ao orçar com diversas gráficas, percebi que a qualidade que eu desejava seria muito mais inalcançável com poucos recursos. Voltei então à ideia de imprimir em papel. Continuaria leve, se eu não os emoldurasse. Escolhi, das 15 fotografias do projeto, 8 para serem impressas em papel matt fibre hahnemuhle. Por orçamento apertado, somente 3 delas em tamanho 30x42cm e as demais em 21x29cm.
No fim, gostei do resultado e fiquei feliz em ver funcionar a antecipação de problemas. Não imaginava o quanto me salvaria uma sacolinha de fita crepe, tesoura, inclinômetro, lápis, um rolo de barbante, uma régua, uma caneta e um paninho seco e spray de limpeza. Com paciência e muita determinação, posso dizer que expus exatamente o que eu imaginei que seria capaz de expor naquelas circunstâncias. 
Bem, agora, sobre as zines deste projeto, já não posso relatar um processo tão fluído. Os mesmos desafios enfrentados com o projeto "O Mar Manda de Volta Coisas Pequenas", vivi aqui também - só que pior. Por ser uma zine de frente/verso, com imagens em praticamente todos os retângulos entre as dobras e cortes, qualquer desvio aparece drasticamente na obra finalizada. Passei por todos os desvios possíveis, até aprender que: tem que fechar o pdf do arquivo já com o tamanho exato da página (sabia que existe mais de um tipo de A3?), com sangria e marcas de impressão destacadas e eliminar as margens entre imagens - tive que abrir mão. As impressoras (pelo menos as que tive acesso) não garantem que não vão dar aquela escorregada na breve viagem entre a frente e o verso do seu trabalho. Abraça o desviozinho e seja feliz, se puder. 
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Diário de Processo #1 - Fevereiro/2024
"Eu Quase Não Mostrei Estas Fotos Para Ninguém" (2023) é uma obra em andamento, composta de 22 fotografias produzidas por mim entre fevereiro de 2022 e setembro de 2023, acompanhada de um ensaio escrito. Ambos os trabalhos foram produzidos sob orientação e contribuição de professores e colegas nas disciplinas Estudos Expográficos e Estética e Filosofia da Imagem (Pós-Graduação Fotografia como Suporte para a Imaginação - F/508).
Escrevo aqui como um compartilhamento de processo, afinal, a obra não está completa e não tenho prazos a cumprir. Eu terminei aquilo que precisava para concluir duas disciplinas do curso e poderia engavetar este projeto novamente, respeitando silenciosamente a premissa de seu título. Quase o fiz. Ainda bem que não. 
A hesitação habitual se constrangeu diante da potência desta obra para a minha própria identificação enquanto artista mãe. Quando percebi o quanto precisava deste trabalho, tomei a decisão de compartilhá-lo, mesmo incompleto. 
Parte do Acervo da Exposição "Eu Quase Não Mostrei Estas Fotos para Ninguém" (2023), Priscila de Sales.
As fotografias selecionadas foram feitas por mim - salvo duas feitas pelo
meu companheiro Daniel, todas durante o período de dois anos após o
nascimento de minha filha Luiza. O conjunto recebeu o título "Eu Quase Não
Mostrei Estas Fotos Para Ninguém" e é composto núcleos conceituais de imagens, formado por fotografias individuais e por pequenos grupos
indissociáveis, nos quais a individualidade de cada fotografia é provocada e
tensionada a partir da aproximação com outra(s).
A obra é acompanhada de um pequeno release, que aqui se transcreve:
Decidi aventurar-me na incontornável intensidade da experiência de
tornar-me mãe. Fotografei pouco desde então fevereiro de 2022, e
quase não mostrei estas fotos para ninguém.
Ao revisitá-las agora, quase dois anos depois, saltam-me aos olhos
contrastes, semelhanças e conexões que quase escapam a olhos
desatentos.
Transportam-me para onde eu mesma já estou, em um movimento
de percepção que se expande na brincadeira de aproximação e
afastamento de imagens.
Gosto muito do conceito de imagem de Vilém Flusser, como "uma superfície
significativa na qual as ideias se inter-relacionam magicamente" (1985, p.5). Magia, para Flusser, é a "existência no espaço-tempo do eterno retorno." (p.5) Seu trabalho contribuiu muito para a minha compreensão de como as fotografias são interpretadas, a partir da perspectiva de que sua leitura não se dá em um tempo linear como na escrita, mas em um tempo de magia - das relações reversíveis. Portanto uma imagem, ao provocar uma relação de reversibilidade em seu observador, produz neste uma experiência imaginária intangível, reforçada pela produção de presença que se espera quando este espectador experimenta a obra de arte com seu corpo e com seus sentidos,
sem um compromisso prévio com seu significado (GUMBRECHT, 2010).
Como parte das proposições iniciais, agrupei as fotografias
aproximando-as como em uma brincadeira de quebra-cabeças, procurando
encaixes possíveis na busca de formar novas imagens a partir de fotografias
de diferentes origens no tempo e no espaço. Este rasgo no contexto de
origem de cada fotografia as colocou em um novo potencial narrativo.
Quando fiz uma fotografia despretenciosa de minha avó materna soltando
uma gargalhada, não imaginava que um dia aproximaria esta imagem de
uma outra, também despretenciosa, de minha filha sorrindo. Que a
experiência da maternidade está neste trabalho desde sua concepção, é
portanto, óbvio ao olhar. Agora, a maneira como ela aparece e se apresenta
ao espectador, é que permanece como objeto do próprio trabalho artístico e
seu sentido se constrói no final das contas, na tríade autora - obra -
espectador.
Isto me leva a outra consideração. A compreensão de este ser um
trabalho ficcional, que se utiliza de um material pessoal de registros no
contexto familiar. A ficção aqui entra como um pó mágico na caneca do café
com leite cotidiano. A brincadeira acontece ao redor daquelas fotografias
inclusive, que quase não foram mostradas a ninguém. Quase esquecidas,
mal guardadas em um depósito digital pouco confiável. Talvez esteja aí a
pretenção nada assumida neste trabalho de resgatar uma memória sobre
um período turbulento e criar uma narrativa visual, como em um diário.
Afinal, um diário tem dessas coisas, de atrair a atenção do outro, como um
buraquinho de fechadura.*
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Fotografias da Coleção "Eu Quase Não Mostrei Estas Fotos Para Ninguém" (2023) e Ensaio Escrito, impressos e dispostos no chão para revisão e nova edição.
Depois de passar por um processo de edição inteiramente digital, resolvi imprimir o que tinha de material e reavaliá-los, rabiscá-los, tirá-los da gaveta virtual e encará-los no meu chão como parte do processo criativo de reedição. A experiência tem sido transformadora e esclarecedora. Tem algo de mágico na manualidade das coisas, que nos leva ao senso de concretude e aterramento. 
Núcleos conceituais concebidos alguns meses atrás já não fazem sentido e algumas aproximações visuais já se afastaram, dando lugar a outros deslocamentos. Talvez aí esteja a íntima relação que estas imagens tem comigo mesma. É o longo processo de dar sentido às experiências da vida.
*trechos do ensaio: "Corda Bamba: a artista, a obra e seu espectador na coleção de Priscila de Sales" (2023), escrito para o encerramento da disciplina Estética e Filosofia da Imagem, orientada pelo professor Marco Antonio Vieira.
REFERÊNCIAS:
FLUSSER, V. (1985). Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma futura filosofia da
fotografia. São Paulo: Hucitec.
GUMBRECHT, H. (2010). Produção de Presença: O que o sentido não consegue
transmitir. Rio de Janeiro: PUC-Rio.
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